Em nosso regime democrático, vários partidos políticos exercem o direito de oferecer a seus candidatos a disputa eleitoral. Em contrapartida, cabe aos cidadãos avaliarem e escolherem quais seriam os candidatos mais adequados aos seus interesses e anseios.
Contudo, quando nos lembramos do quão grave é o problema da corrupção entre os nossos representantes, acabamos por enfrentar um dilema. Afinal, qual seria o sentido de ser perder tempo avaliando e escolhendo um candidato que, mais cedo ou mais tarde, seria denunciado pela participação em algum esquema de corrupção ou no desvio de verbas públicas? É mediante esse questionamento que vários eleitores acabam fazendo opção pelo voto nulo. Não podemos esquecer também que ainda existem candidatos que realmente anseiam o melhor.
Ultimamente, correram vários boatos de que o voto nulo seria capaz de invalidar todo um processo eleitoral. No caso, se mais da metade dos eleitores votassem nulo, deveria acontecer um novo processo eleitoral formado por outros candidatos. Para muitos, esse artigo faz com que o voto nulo se transforme não só em uma arma de protesto, mas também em uma forma de se alterar a configuração do cenário eleitoral. Entretanto, de acordo com a recente interpretação do TSE, essa nulidade só invalida as eleições quando os votos são anulados por causa de alguma fraude que determine sua desconsideração. Por tanto, se mais de cinquenta por cento dos votos dos cidadãos optam pelo voto nulo, prevalece a escolha daqueles que votaram em algum candidato.
A aferição do resultado de uma eleição está prevista na Constituição Federal de 1988 que diz, em seu art. 77, parágrafo 2º, que é eleito o candidato que obtiver a maioria dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos. Ou seja, os votos em branco e os nulos simplesmente não são computados. Por isso, apesar do mito, mesmo quando mais da metade dos votos for nula não é possível cancelar um pleito. Segundo a legislação vigente, o voto em branco é aquele em que o eleitor não manifesta preferência por nenhum dos candidatos. Por sua vez, é considerado voto nulo quando o eleitor manifesta sua vontade de anular, digitando na urna eletrônica um número que não seja correspondente a nenhum candidato ou partido político. O voto nulo é apenas registrado para fins de estatísticas e não é computado como voto válido, ou seja, não vai para nenhum candidato, partido político ou coligação.
Esclarecendo, voto válido é aquele dado diretamente a um determinado candidato ou a um partido (voto de legenda). Os votos nulos não são considerados válidos desde o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965). Já os votos em branco não são considerados válidos desde a Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições).
O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Henrique Neves explica que, caso haja mais votos em branco e nulos em uma eleição, os candidatos que teriam de obter o apoio de mais da metade dos votos para serem eleitos em primeiro turno, neste caso, precisarão do apoio de menos eleitores para alcançar a vitória. Por exemplo: em um pleito envolvendo a participação de cem eleitores, para ser eleito, o candidato precisará de 51 votos válidos. Na mesma situação, se dos cem eleitores 20 votarem em branco ou anularem seu voto, apenas 80 votos serão considerados válidos e, dessa forma, estará eleito quem receber 41 votos.
Existem, no entanto, algumas situações que autorizam a Justiça Eleitoral a anular uma eleição. De acordo com o Código Eleitoral, art. 222, é anulável a votação quando viciada de falsidade, fraude, coação, interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade em desfavor da liberdade do voto, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei. Ainda conforme o Código Eleitoral, em seu art. 224, “se a nulidade atingir mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 a 40 dias”. Em resumo, se ficar comprovado que determinado candidato eleito com mais de 50% dos votos nas eleições majoritárias cometeu uma das irregularidades citadas, a Justiça Eleitoral deverá anular o pleito e determinar um novo.
Além disso, aquele candidato que deu causa à anulação do pleito e à consequente necessidade de realização de nova votação não pode participar dessa nova eleição. O ministro lembra que a Advocacia-Geral da União (AGU) vem cobrando desses candidatos o custo da realização de novos pleitos. “Quando ocorre a anulação de uma eleição, a Justiça Eleitoral e a população têm prejuízo. Por isso nós [ministros do TSE] temos muito cuidado nessas situações de anulação de eleição. Há que existir uma prova muito forte e um fato muito grave para que se chegue à anulação de uma eleição. E aí tem que se iniciar um novo processo eleitoral: as eleições são marcadas pelos TREs [tribunais regionais eleitorais] em um curto espaço de tempo, há nova campanha eleitoral, o eleitor tem que pesquisar novamente a vida pregressa dos candidatos para saber dentro daqueles que se lançaram qual tem melhores condições de representá-lo”, observa.
Para evitar a realização de novos pleitos e o consequente prejuízo à sociedade, o ministro Henrique Neves alerta os eleitores sobre a importância de se pesquisar o passado dos candidatos. “A coisa mais importante é o eleitor pesquisar e verificar a vida pregressa do seu candidato. Ele pode escolher se ele vai ler num jornal, se vai ver na televisão, se vai acompanhar o horário eleitoral, buscar na internet, ouvir de um amigo, mas o importante é ele ter informação”, conclui.
Pontos de Vista ..
O especialista em direito eleitoral, Luciano Olavo da Silva explica que a “confusão” entre votos nulos e brancos é resultado de interpretação incorreta do Código Eleitoral, que em seu artigo 224 diz que, se mais da metade dos votos forem atingidos por nulidade, a eleição terá que ser renovada. “Mas a legislação não se refere ao voto nulo que consista na manifestação apolítica da vontade do eleitor ao digitar um número inexistente na urna eletrônica. O artigo refere-se apenas aos votos que a Justiça Eleitoral anula em processos judiciais, após a constatação de que houve corrupção ou fraude na captação de votos”, explica. É como se um candidato à presidência condenado por comprar votos fosse eleito em primeiro turno, com mais da metade dos votos válidos. Mesmo nessa hipótese, vale observar, os candidatos anteriormente registrados poderiam participar da nova eleição, com exceção do político que provocou a nulidade do processo eleitoral. O mesmo conclui que a vontade do eleitor em utilizar o voto como protesto faz com que os partidos políticos se aproveitem dessa ingenuidade para impulsionar mecanismos para eleger puxadores de votos e candidatos com pouco apoio popular. Na eleição para deputados, há um número chamado quociente eleitoral que estabelece quantos votos um partido ou coligação precisa receber para conseguir eleger cada candidato. Esse número é resultado da soma dos votos válidos - desconsiderados os nulos e brancos -, dividido pela quantidade de vagas disponíveis na Câmara Federal ou nas Assembleias Legislativas. Para o especialista, pregar o voto nulo significa neutralizar eleitores insatisfeitos e com senso crítico, provocando afastamento da política e alienação. “O voto não foi pensado para servir como um protesto, e sim como um apoio”, opina.
Já o professor de história política da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Maximiliano Vicente acredita que, a partir do momento em que o voto é obrigatório no País, sem dúvida, o voto nulo pode ser considerado uma forma de protesto. “Mas é um tipo de manifestação que não tem qualquer efeito a não ser o de favorecer os candidatos tradicionais e mais conhecidos”, pontua. Max defende o fim do voto compulsório, argumentando que o fato do Estado obrigar as pessoas a comparecer às urnas não garante a qualidade do voto nem o exercício da democracia. “É melhor investir na consciência política da sociedade. Se o voto não é obrigatório, quem participa terá que buscar informações de forma efetiva, de maneira mais livre e espontânea”, observa. O professor acredita que, inicialmente, a adesão às urnas poderia ser bastante reduzida, mas com o tempo, os cidadãos perceberiam que a participação no processo eleitoral seria positiva. “Demora mais, mas com o passar do tempo, ficará claro que o fim do voto obrigatório é positivo. Muita gente, hoje, vai com a ideia de que qualquer candidato serve”.
E você, qual o seu ponto de vista?
Reflita!
Gabriela Calore
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